“Nas alas pediátricas de vários hospitais por todo o país, a Associação Nuvem Vitória leva todas as noites histórias de embalar às crianças internadas. A ideia é transportá-las para longe dali, conseguindo com isso serená-las. Os voluntários – conhecidos por “nuvens” – gostam de ser descritos como “serena-dores”. O i acompanhou uma visita ao Hospital de Santa Maria
O episódio aconteceu durante o projeto-piloto da Associação Nuvem Vitória, que decorreu no sexto piso da Unidade de Pediatria Geral do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, em 2016. A nuvem – nome dado os voluntários que vão de quarto em quarto contar histórias às crianças internadas –, por sua vez, era a presidente, Fernanda Freitas. “Aí percebemos que uma história podia de facto ajudar, apesar de não sermos terapeutas e de a nossa função não ser essa. A nossa função é serenar, gostamos de ser considerados ‘serena-dores’”, conta ao i numa noite de segunda-feira, ao percorrer os corredores da mesma unidade do hospital.
Enquanto isso, duas nuvens, Francisco e Susana, de 28 e 30 anos, percorrem os quartos de todas as crianças do piso, desde bebés a adolescentes. “Todas as noites de segunda a sexta vimos ler duas horas de histórias aos meninos. Além desta dupla aqui no sexto piso, está mais uma no oitavo e outras duas no nono, porque é um piso muito grande. E também temos nuvens no São João, em Vila Franca de Xira e em Alcoitão, e, a partir de sexta-feira, em Braga”, explica a responsável do projeto, que hoje está aqui como coordenadora – todas as noites há uma em cada hospital. Os livros, tal como qualquer despesa associada ao voluntariado, assegura Fernanda, são custeados pela associação: “Não temos falta de financiamento, felizmente. Recentemente, o Francisco e outra colega, da consultora CGI, levaram o nosso projeto a um programa que a empresa tem chamado Dream Connectors, e ganhou a nível mundial.” Além do financiamento, que foi aplicado na formação dos voluntários e no desenvolvimento de um livro em braille que permita aos pais cegos contarem uma história aos seus filhos, a vitória permitiu ainda algo de que há muito a associação precisava: uma plataforma para gerir as escalas dos atuais 400 voluntários, que até aqui eram geridas num ficheiro excel, que está a ser desenvolvida pela consultora.
Perto das 21h, as nuvens Susana e Francisco saem do quarto do segundo ouvinte da noite, uma das três crianças que por estes dias estão em isolamento. “Correu bem”, comenta Francisco à saída. “As crianças em isolamento têm de ouvir as histórias primeiro do que as outras, para não transportarmos nada doutras crianças que possa afetá-las”, explica ao i o consultor, que se tornou voluntário da Nuvem Vitória logo em 2016, quando estava à procura de um projeto de voluntariado e a associação lhe chegou aos ouvidos. “O primordial da nossa atividade é não interromper nada e não estragar o ambiente. E tem sido espetacular. Depois de um dia de trabalho cansativo pensar que ainda vou para um hospital contar histórias para crianças, fico a pensar que queria mesmo era um sofá, mas a verdade é que sempre que venho para cá saio com um sentimento de recompensa enorme e sem ter nada em troca”, afirma. Susana, que é educadora de infância e já tinha o gosto pelas histórias antes de se tornar nuvem, concorda: “Entrei no projeto por influência de uma outra nuvem, minha colega de trabalho, que me contagiou. É um mundo diferente daquele com que nós trabalhamos todos os dias e acho que foi isso que me fascinou na Nuvem, perceber que trabalho com crianças que, no fundo, são sortudas, porque não estão neste contexto.”
Originalmente publicado em Jornal i