Teresa Rebelo Pinto, psicóloga especialista do sono e uma das embaixadoras da campanha solidária de Natal do Lidl, que visa a angariação de verbas a favor da associação Nuvem Vitória, na qual também é voluntária, espera que iniciativa alerte os portugueses para os perigos da privação do sono, um problema muito desvalorizado em todas as faixas etárias e contextos sociais.
Quando é que começou este “fenómeno” de se dormir pouco?
Não terá sido de um momento para o outro, foi piorando com o tempo, mas, atualmente, já está um bocadinho numa curva inversa e está a melhorar. Os dados do Observatório Nacional de Saúde relativos aos adolescentes apontam as atrações que têm contraditórias com os bons hábitos de sono. A vida noturna começa muito tarde em Portugal, os horários de trabalho são muito pesados e tardios – as pessoas chegam muito tarde a casa e precisam de tempo para sossegar e ir para a cama -, a escola começa muito cedo e os jovens têm sono mais tarde – deitam-se à hora que o corpo pede, mas têm de se levantar cedo – e as redes sociais, a Internet e a televisão estão ligados 24 horas.
Qual o tempo médio de sono aconselhável?
É uma pergunta muito traiçoeira, porque a média não reflete o que devia ser ideal para todos. Cada pessoa tem uma necessidade de sono diferente, que deve conhecer. Pode ser um “short sleeper” ou um “long sleeper”, isto é, precisar de dormir menos ou mais do que a média. Um adulto precisa de dormir entre 7 e 8 horas por noite para se sentir bem. Nas crianças utilizo a regra dos 10 anos, 10 horas. Quando são mais pequenas devem dormir mais.
Aos seis anos, na entrada para a escola, devem dormir entre 11 a 12 horas, para o sucesso escolar não ficar comprometido. Se no fim de semana ou nas férias dormirmos mais duas horas que nos dias de escola ou trabalho, então não se anda a dormir o suficiente, pois é uma tentativa de compensação que o corpo faz.
O corpo consegue recuperar bem dessa privação?
Há uma compensação imediata. Se numa noite tivermos privação de sono, na seguinte vamos dormir mais. Contudo, essa compensação não impede que a privação anterior deixe marcas no organismo. Além disso, os riscos da privação de sono podem ser fatais, uma vez que se cometem muitos mais erros e potenciam-se os acidentes. Os índices de atenção, coordenação, raciocínio e tomada de decisão estão muito prejudicados, pois somos muito mais impulsivos.
Podemos fazer um paralelismo entre os efeitos do álcool na condução e os do sono?
Perfeitamente. Mas os efeitos do sono são piores. Só o estarmos acordados ao fim de 19 horas, sem fazer qualquer esforço, provoca um comportamento cognitivo como se tivéssemos álcool no sangue [0,5 g/l]. Há uns gráficos que comparam o número de horas acordado com o nível equivalente de álcool no sangue. Temos muitas campanhas a alertar para os perigos do álcool na condução, mas nenhuma diz para se dormir antes de se conduzir. E, habitualmente, um acidente por sonolência é mais fatal do que um por álcool, porque não temos reação.
Que outras patologias estão associadas à privação do sono?
As principais consequências têm a ver com o aumento do risco de doenças crónicas graves, como doenças metabólicas – obesidade e diabetes – e doenças do sono – insónias crónicas. Aumenta também o risco de perturbações do humor, ansiedade e depressão. Depois há riscos para a segurança, não só na condução, mas também para as crianças, que se colocam em maior risco como peões na rua por serem mais impulsivos. Também há mais insucesso escolar, menos produtividade e comportamentos mais agressivos e de risco.
Há estudos que comparam quanto custa uma pessoa dormir mal. E custa imenso. Em baixas médicas, em baixa produtividade, em cuidados de saúde e na vida familiar. A Nuvem Vitória lançou o desafio à Associação Portuguesa do Sono para apresentar esses dados relativos ao nosso país.
Como alterar este padrão?
Esta campanha do Lidl é excelente no sentido de alertar para a importância de ter uma boa noite de sono. Ficamos comprometidos durante o dia se dormirmos mal e isso acontece em áreas que as pessoas valorizam muito, como a alimentação, o exercício, etc. Se não dormirem, nada disso funcionam bem. E dormir bem é durante a noite, os seres humanos são feitos para dormirem durante a noite, durante o escuro, porque a luz diz ao cérebro para acordar.
O que acontece ao nosso corpo quando estamos a dormir?
Apesar do corpo parecer estar desligado, o nosso cérebro está extremamente ativo durante o sono. É como se fosse uma viagem, desde o adormecer até ao acordar, vamos passando por diferentes ciclos e em cada um deles passamos por várias fases diferentes do sono e cada uma tem uma função diferente. Enquanto dormimos o cérebro arruma toda a informação que capta durante o dia. Há fases que têm a ver com a memória, outras com processos metabólicos e outras com a organização emocional. Enquanto estamos a dormir passam-se imensas coisas no organismo, sobretudo no cérebro, que não acontecem em mais altura nenhuma do dia.
Que conselho deixa aos portugueses?
As pessoas quando estão com uma dificuldade não esperem para pedir ajuda, pois quanto mais tarde, pior. Devem encarar o pedido como um ato de coragem e assumir que não conseguem resolver o problema sozinhas. É um ato de humildade. E sobre o sono há este problema de toda a gente achar que consegue fazer qualquer coisa ou que o tempo resolve. Não é isso que acontece. Mais vale pedir ajuda antecipadamente e a especialistas que trabalhem numa equipa multidisciplinar, porque o sono é uma área complexa e que implica sempre médicos e psicólogos a trabalhar, para fazer-se o despiste de outras doenças e analisar todas as patologias do sono. É muito perigoso olhar-se para o sono apenas como uma questão de comportamentos.